Dialogando com a Sombra

07/06/2010 16:46

“Olhei, olhei, e vi o seguinte:
Aquilo que pensava ser você
Nada mais era do que eu próprio”

Por Marilu Martinelli

    Desde que o mundo é mundo periodicamente existe a chamada caça as bruxas, por que será? Esse movimento de exceção e violência surda ou ativa acontece sempre que uma ou mais pessoas, ou mesmo uma comunidade social perde o rumo de seus propósitos e valores estruturais. É quando individualmente ou coletivamente surgem as tendências a exclusão, violência, disputas e corrupção. Afinal de contas, uma nau sem rumo, nem timoneiro acaba afundando. Sobe o ponto de visto individual isso acontece quando alguma tendência ou característica de uma determinada pessoa é considerada por ela mesma vergonhosa, perversa ou indigna, e daí, por não querer dialogar com seu lado escuro, sua sombra, não encara seus defeitos e assume ares de virtude absoluta.E como acredita que atingiu um estágio superior, se permite a soberba e a não aceitação do diferente. Tudo isso porque sente-se muito incomodada com o que tem dentro de si, no lado negro do seu coração. Acontece que essa resistência enganosa fortalece os seus defeitos a ponto de ela ser obrigada a enxergá-los num determinado momento, e aí, por não aceita-los em si mesma, projeta-os nos outros. Um grupo de indivíduos contamina uma comunidade e desse modo, de repente surge a caça as bruxas. Ela é sempre daninha, mas as vezes assume dimensões atrozes como o preconceito e a perseguição religiosa, a perseguição racial e cultural a negros, índios etc., e movimentos violentos e abomináveis como o nazismo, a Ku Klux Klan, os Skin Heads, o terrorismo, e a homofobia. Uma das caças as bruxas mais conhecidas foi a histeria coletiva que acometeu a comunidade da cidade de Salem nos Estados Unidos, quando inocentes foram mortos devido a calunia levantada por um grupo de adolescentes. A caça as bruxas inspira e alimenta toda forma de ditadura e discriminação, e impõe limites rígidos por temer a livre escolha e expressão livre e criativa de cada um. O perseguidor sempre abomina o perseguido porque enxerga nele o que não admite ver em si mesmo e teme perder um poder fictício que crê possuir. O medo do diferente, do desconhecido e de olhar para si mesmo em profundidade estimula insegurança, rejeição, discórdia, e violência de todos os matizes. A caça as bruxas pode surgir de maneira aparentemente inofensiva, às vezes aparece como uma fofoca, uma maledicência venenosa ou irresponsável. Essa é uma maneira sub-reptícia e corrosiva de caça as bruxas que atua nos subterrâneos da mente das pessoas e mina relações interpessoais e princípios. A fofoca daninha revela o desespero de indivíduos para provar que seus defeitos não existem, e acreditar que as outras pessoas são portadoras deles de forma exponencial. Muitas vezes uma fofoca aparentemente sem importância atinge tamanha força que leva a destruição de sonhos e projetos grandiosos. Por outro lado, a fofoca geralmente surge da inveja e do medo, ou da falta de transparência de intenções e clareza de atitudes daquele que é alvo dela. Tudo isso nos mostra o quanto é importante o autoconhecimento; e ele começa pelo diálogo com a própria sombra. Abrir portais interiores para a compreensão e aceitação de si mesmo, e das potencias negativas e positivas que carregamos nos ajuda a superar limites e remapear os caminhos da alma. Isso descontamina o olhar e redefine nosso comportamento, ideais e atitudes perante a vida. Esse é o caminho da autodescoberta e da harmonia nas relações do indivíduo consigo mesmo, com os semelhantes e com o mundo. O dialogo corajoso e honesto com a própria sombra revela nossa verdadeira identidade e promove o auto-aperfeiçoamento. Encarar a própria sombra pode transformar adversários em aliados, e pessoas que combatem aberta ou secretamente, e preferem construir trincheiras a serem defendidas a compartilhar, podem se desarmar e se tornarem amigos e parceiros. Aceitar que temos um lado escuro, ou pelo menos nebuloso e sombrio é o primeiro passo para superar a tirania do ego vaidoso, manipulador e controlador que alimenta uma constante guerra de opostos. O ego personalidade se alimenta de ignorância espiritual por isso nutre preferências e aversões, gerando separatividade. O exercício da espiritualidade em todas as tradições espirituais leva a vivência natural e diária dos valores humanos. Esses valores revelam o esplendor da nossa humanidade e abrem portais interiores a luz de uma consciência sem fronteiras. Então, o divino em nós se revela, ilumina a sombra e permite o compromisso do corpo, da mente e do espírito com a Verdade.

Marilu Martinelli
Atriz.Jornalista,Escritora.Professora de Mitologia Universal e Filosofia Oriental. Consultora para Formação de Educador em Valores Humanos e Formação de Lideranças em Valores.Professora da UNIPAZ e UNIBEM.

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