Eostre

29/05/2009 00:25

por Celso Luiz de Aquino

    Acendi a vela da Deusa. Centrei-me, a mente em alfa, purifiquei o altar e espantei os maus espíritos. Então, invoquei os guardiões das torres de observação – leste, sul, oeste e norte. Círculo fechado, a luz pálida azulada dos pentagramas dos quadrantes flutuava nos quatro cantos do círculo enquanto os carros na avenida ao longe pareciam se calar: estava entre mundos. Restava apenas pedir que a Deusa honrasse o ritual com Sua presença.
     Foi quando aconteceu: sonhos em espiral tomaram-me a visão. O coração saltou três vezes – tum! tum! tum! –, forte, pulando para longe de um perigo oculto, jogando-me em um desfiladeiro cheio de lama, com cheiro forte de memórias ainda não enterradas.
     Como no conto de Charles Dickens, o espírito do Natal passado deu as caras, sombrio e saudosista ao limite, e mostrou-me o espelho de Galadriel. Doze meses refizeram seu caminho enquanto meu olhar sofria sua hipnose incontestável. Eu vi. Vi amores passados e perdidos, vi mentira, traição, vi o auto-isolamento, decisões erradas, vi um eu não-eu, um todo quase-nada, fraqueza. Vi minha palavra perder o poder, meus feitiços se desmancharem, a fé se desfez.
     Lágrimas vazaram dos meus olhos. Parecia que tanta coisa errada havia se passado no último ano e eu, ali, impotente a observar, um voyeur de mim mesmo, quase me atirando para o impedir-me, em vão.
     Ao sentir-me tão miniatura, micro que só, largado solitário no infinito das estrelas, Ela tocou-me o ombro direito. O toque sussurrava Seu nome, melodia alegre e florida – Eostre, Ostara, Easter – seguido de sete mil vozes que entoavam a canção “Ela muda tudo o que toca, tudo o que Ela toca, muda.” E o último ano que se mostrava tão cheio de falhas, lodoso, brotou em flores na primavera. A mim havia sido concedida a visão ampla, o abraçar a tudo. Eu vi. Vi sorrisos, vi a paz, o retorno de velhas amizades, importantes, o reconhecimento, a vida em gargalhadas. Vi flores em mim, verdadeiro jardim babilônico. Eostre, então, olhou-me com meu olhar, e pude ver-me com olhos sagrados. Runas brilhavam pelo corpo. Renascimento! A Deusa me agraciava com Sua presença e me abençoava com o espírito de Ostara.
     Prossegui o ritual: cânticos, poesia, viva o viver! E, comigo, a certeza do raiar do sol, de juventude, do novo. Feliz Ostara! Feliz Páscoa!

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