Reinventando a família - Valores Humanos em Casa, na Escola, na Vida

07/06/2010 16:39

 

Por Marilu Martinelli

    A palavra fenícia Ami, Mãe, deu origem a palavra família. De “ami” nasceu “fami”, “famille”, famiglia, family, família, amigo, amizade, amável, etc. Como vemos a matriz é o amor, e a compreensão, o carinho e a generosidade constituem as raízes da palavra família. Nesse novo milênio valores e instituições estão sendo reavaliados. O casamento e a família são instituições básicas que estão sofrendo abalos consideráveis, e consequentemente a sociedade é afetada profundamente em suas estruturas. O propósito e o significado do casamento e da família, tal como aprendemos através de gerações anteriores estão em xeque mate. Um grande sofrimento atinge muitas famílias modernas porque seus membros insistem em moldes antigos de comportamento, e buscam a realização de uma idealização de família, em lugar de criar um núcleo verdadeiro, coeso, dinâmico e solidário de crescimento mútuo. A família tradicional tinha como sustentação o autoritarismo, os hábitos herdados, as convenções, a sufocação de sonhos e o conformismo. A família atual exige compreensão, coragem, autoridade e amorosidade, firmeza e flexibilidade. Estas são habilidades importantes para aprender a lidar com a renovação, o diferente, o inesperado e surpreendente, fora e dentro dela. As tensões criadas pelas exigências do atual modelo social impõem o questionamento de valores, e de um sentido maior para viver a vida. A inversão de valores e a violência doméstica e urbana deixam a família acuada e a sociedade perplexa diante de si mesma. Acrescente-se a tudo isso a inadequação do sistema educacional, e dos seguimentos da produção e distribuição de renda, e perceberemos o quanto esse sistema social agrava a combalida estrutura da família moderna. Uma reflexão sobre valores e relações humanas ganha corpo na sociedade, e impõe transformações profundas no comportamento familiar, e na percepção do significado do que seja família e sua importância no mundo. Tudo isso feriu profundamente a chamada família tradicional e seus valores impostos culturalmente, a escola precisa se adaptar a essa nova realidade social para não gerar exclusões e constrangimentos. Precisamos refletir sobre o que é o casamento e o que é a família, o que os fortalece ou debilita, e o quanto são importantes para nós. Isso porque sendo instituições vitais, deveríamos começar por redefinir sua validade. Para reinventar a família o primeiro passo é resgatar a convivência enriquecedora, o respeito e o carinho pelas e entre as pessoas, e reconfigurar a partir desse resgate o sentido de liberdade, deveres, direitos e competências. Costumamos nos relacionar com nossos familiares por meio de exigências, cobranças e julgamentos, tendo sempre o foco nos defeitos, o que empalidece as virtudes deles perante nossos olhos, e vive versa e o afeto torna-se mágoa e distanciamento. É necessário reaprender como nos relacionarmos pelo coração e a partir desse aprendizado idealizar menos, e conhecer mais as pessoas com as quais convivemos. Muitas das virtudes e talentos dos nossos familiares, mesmo quando reconhecidos não são explicitados nem incentivados. Isso acontece porque desaprendemos como amar e demonstrar amor naturalmente. Não demonstramos amor porque tememos parecer vulneráveis e manipuláveis dentro do jogo de poder das relações interpessoais, familiares e sociais. Nós nos esquecemos do quanto a sabedoria do sentimento é preciosa e faz frutificar a lucidez, a solidariedade e a generosidade na convivência diária. Hoje, a maioria dos membros de uma família não troca cuidados, carinho, sonhos, nem idéias entre si, por esta razão experimentam a dor e o peso da solidão acompanhada. Para reinventar a família é preciso despertar para o fato de sermos agentes de transformações a partir da nossa própria transformação. Uma família melhor constituída, e um modo de viver melhor em sociedade está latente dentro de nós mesmos, para isso precisamos buscar as soluções no centro da alma, o nosso coração. Na reestruturação da família, e criação de uma nova concepção de convivência, a espiritualidade se apresenta como um diferencial importante. Quando me refiro a espiritualidade não me refiro a religião, penso na educação formadora de carácteres. Educação em valores humanos partilhada por pais, mestres e alunos. É preciso contemplar as dimensões materiais e espirituais do educando, pois devemos saciar nossa natural necessidade de transcender e expressar excelência. Sem a espiritualidade não conseguimos ser inteiros, somos metade, afinal nascemos com duas necessidades básicas, a sobrevivência e a transcendência. Sem o contato com a alma somos prisioneiros dos sentidos, das emoções e das expectativas e projeções mentais, assim como das autogratificações, egocentrismo, rigidez de conceitos, julgamentos e imediatismo. O despertar da espiritualidade traz a tona o que temos de melhor para oferecer a vida. Por isso, todas as Tradições espirituais ensinam que, o Divino só se manifesta na plenitude do humano. Quando vivemos valores humanos, o sagrado se revela dentro de nós e atravez de nós. Dessa vivencia resulta uma visão reverente da vida, e a superação do individualismo pela primazia do sentimento, como expressão da supremacia do espírito sobre os instintos primários. A partir daí precisamos tecer os fios dos relacionamentos criando uma teia amorosa de significados. Outro desafio a ser vencido atualmente é a família fragmentada e plural, constituída de modelos diversos. Surge da dinâmica social um modelo transgressor de família. São as famílias que nascem fora do casamento tradicional. Muitas se apresentam como resultado de produções independentes de filhos, e outras tantas são formadas por casais homossexuais. Tudo isso nos convida a refletir sobre o tema, sem preconceitos ou julgamentos culturais. Diante disso, vemos que é chegada a hora de repensar a família, a educação, os valores, e a ética da legitimidade. Outro elemento complicador são os novos casamentos pós-divórcios. Eles apresentam obstáculos consideráveis para a formação de novas famílias. Agregar membros de uma outra família desestruturada e desconhecida, ou acolher um novo marido ou esposa impõe uma nova configuração, e uma ordem de relacionamentos nem sempre harmoniosa. Criou-se, portanto uma instituição dentro da instituição da família. É importante dizer que o número de divórcios cresce no mundo todo, mas o número de casamentos não decresceu. Isso revela que a fé na família como célula mater permanece viva, o que está agonizando é um padrão de relações humanas. Outro fator importante é o casamento ter perdido a aura de segurança, e o sentido de indissolubilidade como sacramento. Então, temos que admitir que o que torna uma união sagrada, e confere significado a formação familiar é o amor. O amor na reinvenção da família deve ser a base dos fundamentos éticos, morais e espirituais, e seus reflexos são preponderantes no relacionamento íntimo dos casais, e destes com os filhos, amigos e a comunidade. O amor é a base, a pedra angular da estrutura humana, familiar e social. Os valores universais devem ser a raiz que alimenta os vínculos de afeto, e o eixo dos compromissos e relações familiares. Isso irá delinear a maneira como a família se organizará, e dimensionará as questões cotidianas relativas a conflitos, e compreensão das particularidades, das escolhas e dos limites de cada um. Os valores definem o relacionamento dos membros da família dentro de um processo dinâmico e amoroso de transformações e aprendizado mútuos. E assim, cada um dos membros, se abre para o outro com maior receptividade, e do carinho mútuo nasce uma comunicação diferenciada entre eles. A forma de lidar com as diferenças de temperamento, de ponto de vista, e padrão de crenças de cada um, é fundamental para a harmonia familiar. A descoberta da complementaridade entre as diferenças estabelece conexões mais verdadeiras, criativas e prazerosas. Outro aspecto importante é lembrar que a constituição da família desde sempre teve um significado biológico forte: a perpetuação da espécie de forma organizada por meio de parcerias fieis. A fidelidade se nutre do amor, e ninguém é adúltero no coração. O amor une o casal e os filhos pelo cultivo da parceria, o que torna as obrigações e atribuições familiares uma alegria e não um fardo, à medida que vai construindo pontes e derrubando muralhas. As relações familiares se estabelecem além dos limites estreitos do imediatismo e do egocentrismo. O eu individualista, não consegue reconhecer o sagrado num relacionamento porque para o egoísta, o parceiro é um meio para determinado fim, e os filhos conseqüências a serem assumidas. Quando nos relacionamos com alguém com sinceridade e admiração, o dialogo evoca algo renovador, daí um potencial latente desabrocha, e uma outra qualidade é acrescentada à relação. Sem dúvida um aspecto desagregador da família e do casamento é a infidelidade. A infidelidade é um fantasma que costuma rondar os casais, e desde sempre ameaça as bases da família. Sempre que a necessidade de conhecer mais a si mesmo é manifestada em um dos parceiros surge um campo propício à infidelidade. Tudo começa com o descompasso de prioridades. Quando um dos cônjuges tem a necessidade de avaliar suas potencialidades, auto-imagem, o nível de aprovação que seu físico e sua personalidade têm, geralmente sente medo de abrir o coração para o parceiro, e parecer frágil e indefeso. Não é apenas a atração sexual e a curiosidade que leva a infidelidade, nem é impossível permanecer fiel. Um casal pode lidar com a tentação da infidelidade administrando estímulos externos e conflitos pelo discernimento, e renovando o amor pelo companheirismo e pela criatividade. É preciso encarar o tédio, que é um sinal de estagnação de energia, como um sinal de alerta, e utilizar a constatação do marasmo como patamar para mudanças. Para os casais, novos sonhos e novas experiências conjuntas de crescimento interior, são antídotos contra o veneno do desinteresse e do desencanto. A família precisa estar aberta para o mundo, e ser enriquecida por outras pessoas que tragam novas idéias e estimule reflexões criativas e ideais mais amplos. É importante compartilhar sonhos e projetos que ultrapassem interesses individuais apenas. O modelo familiar tradicional se defende da sociedade, e procura se fortalecer como núcleo defensivo, por isso, se auto protege e fomenta medos, preconceitos, e desconfianças com relação ao diferente e desconhecido. Por outro lado, como não existe receita pronta para as relações humanas é natural que estejamos constantemente descobrindo novos aspectos da nossa humanidade atravez das outras pessoas com as quais interagimos. A nova família deve estar aberta para servir a sociedade. Acredito que a família que estamos reinventando procura conduzir seus propósitos até um patamar mais elevado, e começa a encarar os problemas como oportunidades de aprender e criar. A nova família se estende cada vez mais generosamente até sua comunidade, seu país e o mundo. Afinal constituímos a grande família humana e partilhamos da paternidade de Deus na mesma casa, a MãeTerra e os valores éticos e espirituais nos qualificam para receber Sua divina herança, aqui e agora. 

 

 


Marilu Martinelli

Atriz. Jornalista.Escritora.Educadora.Professora de Mitologia Universal.Conferencista Internacional.Professora de Filosofia Oriental.Consultora Educacional e Empresarial para Formação de Lideranças em Valores Humanos. Professora convidada na área de mestrado da Unipaz e Unibem. Professora honorária da Universidade Católica de Arequipa e Universidade Federal de Lima-Peru.

Para Saber Mais:
Email: gayatriml@hotmail.com
Site:www.marilu.martinelli.nom.br

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