Uma Energia Positiva Aí?

01/03/2009 01:32

    São 7 horas da manhã: hora de fazer a sessão ritualística da Nova Era com a ajuda de todos os “mestres”. Alberto, microempresário bem sucedido (na verdade consegue se esconder dos credores e fiscais), vai para a aula de Tai-Chi-Chuan na praça perto da sua casa. Isso desde que uma amiga, dessas que falam de anjos e Feng-Shui, falou que a sua energia estava baixa, e que ele precisava de uma energização positiva. Ele se interessou pelo assunto, e era tido entre os seus amigos místicos e esotéricos como um homem espiritualizado.
    Acreditava que a sua posição era mais do que justa, afinal estudara uma técnica de energização indo-sino-japonesa, ensinada só a um “seleto grupo”, que havia sido descoberta no século 19 por monges tibetanos nos EUA, e pagara (bem pago) para se tornar um Master-Super Energizer-Man (ele sempre achou que isso parecia propaganda de pilha). Mas energização não é tudo, ter diplomas é melhor, por isso havia feito um curso com um xamã que se dizia descendente um índio americano nascido no deserto de Atacama (mas ele bem que parecia só mais um americano com aquele bronzeado escritório.
    Alberto se sentia bem energizado (a amiga tinha razão) e, depois de fazer o Tai Chi (com um mestre que conhecia tudo da China pela National Geographic), foi dar uma corridinha, pois sabia que estava cheio de energia positiva e podia gastar um pouquinho.

1ª volta: Tudo OK.
2ª volta: Alberto sente uma tontura, mas imagina que é a energia negativa do local (ele estudou energias ambientais a R$2000 a hora e entendia tudo do assunto).
3ª volta: Dor no peito... deve ser o chakra cardíaco se abrindo para o Amor Universal; alguns mestres dizem que isso acontece (leu todos os livros que têm a palavra “mestre” na capa).
4ª volta: Túnel de Luz... OPS!

    Ele estava “desencarnando”. Sentiu isso. Sua missão evolutiva na Terra havia terminado, e agora ele se sentaria ao lado dos 7 (ou seriam 12, 24 ou 365?) mestres. Ele sentia, com certeza, que tinha “ENERGIA” suficiente para dar e vender. Já sentia os efeitos da “ascensão”, podia ouvir as melodias dos anjos (ah! os cds new age). TUM!
    Que lugar era aquele? Podia ver os fatos de sua vida passando como um flash na sua frente (puxa, era verdade). Peraí! As imagens não estavam mostrando ele se tornando o homem espiritualizado que era. Parem tudo! - Imagens nada agradáveis: seus ataques de fúria na empresa (onde era conhecido como A Grande Besta). Epa! A viagem de final de ano! Não! Eu estava estressado.
    Daí por diante foi um festival de caras amarradas. Mas o chocante foi quando tudo terminou, e Alberto viu uma imagem estática à sua frente, na qual estava com uma pose de homem “espiritualizado” numa revista sobre ioga e a felicidade (ele sempre achou que era bem fotogênico).
Terminado o flash, Alberto se levantou e gritou a plenos pulmões:

– E daí? Sou Master-Super Energizer-Man, e posso vencer tudo. Sei como queimar todo o meu karma (técnica especial 317-A, desenvolvida e, como sempre, bem paga, no retiro que fez num spa durante aquelas férias de final de ano).
Ao que uma voz ponderada perguntou:

– Podes vencer o teu coração?

    Nesse momento, o chão fugiu-lhe. Sentiu como se seu peito se abrisse. A dor era insuportável, tudo ardia, a luz o medo, a culpa, a escuridão. UTI.
Seu corpo está estirado na cama, com mais tubos que uma destilaria. Ele pode sentir o plástico ferir-lhe a garganta. Percebe, pela sensação no peito, que foi operado. Teve uma nova chance, e agora não vai desperdiçar: vai se voltar para a espiritualidade com força total. Um curso de cura energética desenvolvida no Alaska pode ser o que lhe falta (estava no catálogo).
Dois espectros a um canto do quarto se entreolham, e o mais belo diz:

– Não disse irmão? Eles não mudam! Ao que o outro responde:

– Não estamos aqui para mudá-los. Não os empurramos para as escolhas que cremos serem as certas. Nós apenas damos as chaves; são eles que escolhem as portas a serem abertas, sejam elas quais forem. Afinal, irmão, você sabe mais do que nós que não existem portas erradas no plano d’Ele.

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